Importância de Homero e Hesíodo para o nascimento da Filosofia





Os poetas gregos Hesíodo e Homero são dois reconhecidos nomes da literatura mundial. Suas obras transcendem à simples narração e confabulação de histórias, alcançam importância paradigmática e pedagógica na história do Ocidente.
Hesíodo e a vida no campo

Embora Hesíodo não tenha suas obras conhecidas pelo grande público na contemporaneidade, esse poeta em conjunto com Homero, também marcou de forma indelével a formação cultural do povo grego na época clássica. Para ini­ciar nossa apresentação a respeito desse perso­nagem, disponibilizamos, a seguir, uma pequena síntese biográfica e alguns aspectos de sua impor­tância para a formação cultural do povo grego:

Hesíodo [...], personalidade de grande vulto, posterior a Homero, foi considerado o criador da poesia didática. Viveu em Beócia, pro­vavelmente no final do século VIII ou no começo do século VII a.C., época de luta entre proprietários de terras e a população excluí­da de privilégios, trabalhadores agrícolas, pastores, artesãos. Sua obra Teogonia, baseia-se na compilação, análise e ordenação de tradições míticas, e procura estabelecer a genealogia dos deuses, mostrando como se organiza o mundo divino. Em "Os trabalhos e os dias", esse autor mostra a organização do mundo dos mortais, salientando a mão humana, o trabalho do homem, como princípio para uma existência digna (SHIGUNOV NETO; NAGEL, 2012, p. 3).


Com o intuito de noticiar um breve comentário sobre a vida de Hesíodo, devemos recordar que ele é o escritor mais antigo de que temos notícia. Escrevia em língua jônica, embora seja mais pro­vável que sua língua materna fosse uma mistura de dórico e eólio.

Não diferente dos encargos de muitos homens de sua época, Hesíodo era pastor e assim permaneceu até que um dia, segundo consta, as musas lhe apareceram e lhe ordenaram "cantar a raça dos benditos deuses imortais".

Como mencionado na citação, suas obras capitais foram Os trabalhos e os dias e Teogonia. A Teogonia é um poema marca­damente permeado por concepções religiosas e teológicas, que narra e tenta explicar o nascimento dos heróis e dos deuses do Olimpo. As concepções ali, religiosamente afixadas, foram levadas a cabo por vários séculos na Grécia, e influenciaram diretamente a Filosofia nascente.

Já em Os trabalhos e os dias, Hesíodo expõe a vida campes­tre do homem grego como modelo de honestidade e virtude que agradaria até mesmo aos deuses. É uma obra de forte intenção pedagógica e moralizante.

O que percebemos no conjunto da obra hesiodiana é, em uma análise mais breve, o cuidado com as questões relacionadas aos deuses e à vida cotidiana dos homens, com suas privações e destinamentos, tudo isso ilustrado pelo ambiente fantástico e mis­terioso dos mitos.

Homero: o educador par excellence
Certamente, você já teve algum contato com alguma obra de Homero, quer tenha sido por meio de produções cinematográficas que tratam de alguns dos aspectos presentes em suas duas grandes obras, Ilíada Odisséia, ou, ainda, no contato direto com tais produções. Esse poeta é extremamente importante para os alicerçes da cultura grega ou, então, as relações existentes entre Filosofia e Educação. Seus poemas acabam por fornecer esse contexto, quer seja na linguagem ou em alguns aspectos do pensamento que adveio a reflexão filosófica. Dentre algumas das informações que colhemos a seu respeito, considera­mos pertinente apresentar a você a síntese a seguir:

Situando Homero, temos que os dados relativos à existência des­se poeta são inexatos, no entanto, pode-se supor que nasceu em Esmirna, atual Turquia, aproximadamente em 850 a.C. e faleceu na Ilha dos Ios, também chamada Nio, que fica no arquipélago das Ciclondes, no mar de Cândida. Atribui-se a Homero tanto o "títu­lo" de fundador da poesia épica como o de maior e o mais antigo poeta grego. Suas principais obras foram a Ilíada e a Odisseia que descrevem, de forma fantástica, uma sucessão de acontecimentos da vida grega e oferecem uma interpretação da experiência huma­na, cujos êxitos são vistos como favores concedidos pelos deuses (SHIGUNOV NETO; NAGEL, 2012, p. 2).

Para que você possa perceber as razões que levaram os au­tores citados anteriomente, Shigunov Neto e Nagel, a emitir estas considerações sobre Homero, basta dizer que os pensadores pré­-socráticos Parmênides e Empédocles, pensadores estes que você lidará ao se dedicar ao estudo da Filosofia antiga, fizeram uso da mesma estrutura discursiva para apresentar suas ideias, referimo­-nos a apresentação poética baseada em uma estrutura chamada de "hexâmetros".

Não bastassem esses aspectos, há de se ressaltar que Home­ro, em conjunto com Hesíodo, acabou por fornecer ao povo grego a formatação geral de como os seus deuses seriam e quais as rela­ções que esses deuses mantinham com os humanos.

Do que foi dito, certamente há de se pensar a respeito de quando se deu a produção dessas obras ou o período em que este poeta viveu. Observe e analise algumas considerações a respei­to dessas questões, apresentadas por Rosen (1997, p. 3, tradução nossa):

Nós não podemos fixar as datas de existência de Homero e Hesí­odo com muita certeza, mas um consenso geral desenvolvido em décadas recentes é que a atividade dos dois poetas se deram no período entre 750 a.C. a 650 a.C. A questão é complicada pelo fato de que esses poemas devem ter sido originalmente compostos sem escrita; questões de datação tem que enfrentar o problema de [perceber] quando os textos foram transcritos [transformados em escrita]. Ainda, não provavelmente sem coincidência, esses pri­meiros textos, não importa quando eles foram finalmente fixados em sua corrente forma, refletem a atividade poética do período em que a introdução do alfabeto parece ter promovido o desenvolvi­mento da literatura.

Como se percebe, percebe-se inclusive uma diferença entre as informações de Rosen (1997) e Shigunov Neto (2012) quanto ao período em que Homero viveu e esta imprecisão demonstra o quanto ainda há de se investigar sobre a vida deste personagem.
Nesse contexto, há de se pensar a respeito de qual dos dois poetas produziu primeiramente algumas de suas obras e, nesse sentido, Rosen argumenta que algumas abordagens tendem a considerar que ambos foram contemporâneos e que, além disso, poderiam ter produzido suas obras com o intuito de se diferenciar um do outro. No entanto, Rosen conclui que:

Estudiosos modernos geralmente assumem que Homero compôs mais cedo que Hesíodo, contudo isto se assenta em pouco mais de que avaliações subjetivas [...] o consenso em favor de uma data anterior de Homero sobrevive, mas a questão não está resolvida (1997, p. 3-4, tradução nossa).

Além disso, embora a existência de um único poeta chama­do Homero não seja historicamente comprovada – o chamado "problema homérico" –, a obra que carrega seu nome é de uma riqueza inestimável.

Poeta das façanhas heroicas e do desbravamento humano, Homero é responsável pela formação de uma importante parcela da cultura grega antiga, tanto no período que antecede quanto no que sucede o nascedouro da Filosofia. Segundo Platão, na Repúbli­ca (606e): "Homero foi o educador de toda a Grécia".
Ainda sobre essa característica pedagógica, complementa Jaeger (2003) afirmando que na Grécia havia presente a concepção do poeta como educador de seu povo e Homero seria esse primeiro e maior criador e modelador da humanidade grega.

Um aspecto interessante em relação à forma como a produ­ção homérica era divulgada manifesta-se no fato de que, na Grécia antiga, havia o costume de se cantar os poemas que eram trans­mitidos hereditariamente, ou seja, os poemas eram passados de geração após geração, por meio da reprodução em canto desses poemas. Mais do que uma função de entretenimento, esses poe­mas cantavam os grandes feitos e as virtudes dos grandes homens e heróis, de forma a criar uma consciência receptiva a tal modelo de transmissão.

Por certo que nós, homens e mulheres da era visual, não conseguimos captar com toda a carga semântica o que significa­vam tais poemas para os gregos, mas devemos ter em mente que os gregos possuíam um ouvido altamente calibrado e volitivo para aquelas tradições cantadas.

A poesia antiga grega, diferente de outras poesias criadas nos séculos decorrentes no Ocidente, abrangia um campo enorme de dimensões, numa confluência entre ética, estética etc., num orga­nismo indissociável, tanto que, conforme comenta Jaeger (2001, p. 66): "O pathos do sublime destino heróico do homem lutador é o sopro espiritual da Ilíada. O ethos da cultura e da moral aristocrática encontra na Odisséia o poema da sua vida". Mas deixemos por ora as homenagens a Homero e vamos analisar algumas características pontuais de sua obra que nos possibilitem entender sua relação com a Filosofia. Para isso, servir-nos-emos de Reale (1993, v. 1).

Optamos por citar três importantes características da obra de Homero que foram imprescindíveis para o surgimento da Filo­sofia grega, as quais iremos expor em três temas:

1) estrutura da imaginação;
2) arte da motivação;
3) expressão da realidade.

Vejamos, a seguir, cada um desses âmbitos separadamente.
Estrutura da imaginação
Diferente de outras narrativas de outros povos, as obras de Homero não se preocupam apenas em descrever o monstruoso e o disforme; pelo contrário, a estruturação dos poemas homéricos traz consigo:
1) Harmonia;
2) Eurritmia;
3) Proporção;
4) Limite;
5) Medida.

Atributos que dão consistência à obra de Homero e garan­tem a ela uma "verossimilhança", no sentido de ser uma obra que apresenta nexo entre suas partes.
Cabe frisar que essas características posteriormente se con­figurarão como constitutivas da própria estrutura do pensamento grego e, por extensão, ocidental.
Arte da motivação

Homero não narra apenas uma sequência de fatos, mas bus­ca, embora em nível fantástico-poético, suas "razões", seus motivos.
Jaeger (apud REALE, 1993, p. 19) comenta que Homero não conhece a:

mera aceitação passiva das tradições nem simples narração de fatos, mas exclusivamente o desenvolvimento interiormente ne­cessário da ação de fase em fase, nexo indissolúvel entre causa e efeito.
Essa busca por "razões" já é um componente que posteriormente será distendido na Filosofia nascente.
Expressão da realidade

A obra de Homero, em seu tratamento mítico e discursivo da realidade, preocupa-se em apresentar a totalidade da existência, bem como o papel do ser humano diante do mundo.
Tanto a expressão da totalidade quanto a definição do papel humano são marcas ímpares da Filosofia. Por exemplo, o pensa­mento moderno, ansiando investigar meticulosamente as coisas, fatos e fenômenos, criou o chamado "especialista", que se ocupa de uma faceta muito específica de um problema.
Já os filósofos, em especial os antigos, buscam conhecer os fatos, coisas e fenômenos em sua totalidade, de forma a construir uma visão unitária do mundo.
Com o exposto, você observou algumas características da obra de Homero e Hesíodo. Vamos agora investigar outros traços importantes para o nascimento da Filosofia.

Como nos propusemos anteriormente, vamos conhecer a religião grega para tentar compreender em que sentido ela cola­borou para o nascimento da Filosofia.

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