Importância de Homero e HesÃodo para o nascimento da Filosofia
- setembro 22, 2017
- By Ivan Sousa
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Os poetas gregos HesÃodo e Homero são dois reconhecidos
nomes da literatura mundial. Suas obras transcendem à simples narração e
confabulação de histórias, alcançam importância paradigmática e pedagógica na
história do Ocidente.
HesÃodo e a vida no campo
Embora HesÃodo não tenha suas obras conhecidas pelo grande
público na contemporaneidade, esse poeta em conjunto com Homero, também marcou
de forma indelével a formação cultural do povo grego na época clássica. Para
iniciar nossa apresentação a respeito desse personagem, disponibilizamos, a
seguir, uma pequena sÃntese biográfica e alguns aspectos de sua importância
para a formação cultural do povo grego:
Com o intuito de noticiar um breve comentário sobre a vida
de HesÃodo, devemos recordar que ele é o escritor mais antigo de que
temos notÃcia. Escrevia em lÃngua jônica, embora seja mais provável que sua
lÃngua materna fosse uma mistura de dórico e eólio.
Não diferente dos encargos de muitos homens de sua época,
HesÃodo era pastor e assim permaneceu até que um dia, segundo consta, as musas
lhe apareceram e lhe ordenaram "cantar a raça dos benditos deuses
imortais".
Como mencionado na citação, suas obras capitais foram Os
trabalhos e os dias e Teogonia. A Teogonia é um poema marcadamente
permeado por concepções religiosas e teológicas, que narra e tenta explicar o
nascimento dos heróis e dos deuses do Olimpo. As concepções ali, religiosamente
afixadas, foram levadas a cabo por vários séculos na Grécia, e influenciaram
diretamente a Filosofia nascente.
Já em Os trabalhos e os dias, HesÃodo expõe a vida
campestre do homem grego como modelo de honestidade e virtude que agradaria
até mesmo aos deuses. É uma obra de forte intenção pedagógica e moralizante.
O que percebemos no conjunto da obra hesiodiana
é, em uma análise mais breve, o cuidado com as questões relacionadas aos deuses
e à vida cotidiana dos homens, com suas privações e destinamentos, tudo isso
ilustrado pelo ambiente fantástico e misterioso dos mitos.
Homero: o educador par excellence
Certamente, você já teve algum contato com alguma obra de Homero, quer tenha sido por meio de produções cinematográficas que tratam de alguns dos aspectos presentes em suas duas grandes obras, IlÃada e Odisséia, ou, ainda, no contato direto com tais produções. Esse poeta é extremamente importante para os alicerçes da cultura grega ou, então, as relações existentes entre Filosofia e Educação. Seus poemas acabam por fornecer esse contexto, quer seja na linguagem ou em alguns aspectos do pensamento que adveio a reflexão filosófica. Dentre algumas das informações que colhemos a seu respeito, consideramos pertinente apresentar a você a sÃntese a seguir:
Situando
Homero, temos que os dados relativos à existência desse poeta são inexatos, no
entanto, pode-se supor que nasceu em Esmirna, atual Turquia, aproximadamente em
850 a.C. e faleceu na Ilha dos Ios, também chamada Nio, que fica no arquipélago
das Ciclondes, no mar de Cândida. Atribui-se a Homero tanto o "tÃtulo"
de fundador da poesia épica como o de maior e o mais antigo poeta grego. Suas
principais obras foram a IlÃada e a Odisseia que descrevem, de forma
fantástica, uma sucessão de acontecimentos da vida grega e oferecem uma
interpretação da experiência humana, cujos êxitos são vistos como favores
concedidos pelos deuses (SHIGUNOV NETO; NAGEL, 2012, p. 2).
Para que você possa perceber as razões que levaram os autores
citados anteriomente, Shigunov Neto e Nagel, a emitir estas considerações sobre
Homero, basta dizer que os pensadores pré-socráticos Parmênides e Empédocles,
pensadores estes que você lidará ao se dedicar ao estudo da Filosofia antiga,
fizeram uso da mesma estrutura discursiva para apresentar suas ideias, referimo-nos
a apresentação poética baseada em uma estrutura chamada de
"hexâmetros".
Não bastassem esses aspectos, há de se ressaltar que Homero,
em conjunto com HesÃodo, acabou por fornecer ao povo grego a formatação geral
de como os seus deuses seriam e quais as relações que esses deuses mantinham
com os humanos.
Do que foi dito, certamente há de se pensar a
respeito de quando se deu a produção dessas obras ou o perÃodo em que este
poeta viveu. Observe e analise algumas considerações a respeito dessas
questões, apresentadas por Rosen (1997, p. 3, tradução nossa):
Nós
não podemos fixar as datas de existência de Homero e HesÃodo com muita
certeza, mas um consenso geral desenvolvido em décadas recentes é que a
atividade dos dois poetas se deram no perÃodo entre 750 a.C. a 650 a.C. A
questão é complicada pelo fato de que esses poemas devem ter sido originalmente
compostos sem escrita; questões de datação tem que enfrentar o problema de
[perceber] quando os textos foram transcritos [transformados em escrita].
Ainda, não provavelmente sem coincidência, esses primeiros textos, não importa
quando eles foram finalmente fixados em sua corrente forma, refletem a
atividade poética do perÃodo em que a introdução do alfabeto parece ter
promovido o desenvolvimento da literatura.
Como se percebe, percebe-se inclusive uma diferença entre
as informações de Rosen (1997) e Shigunov Neto (2012) quanto ao perÃodo em que
Homero viveu e esta imprecisão demonstra o quanto ainda há de se investigar
sobre a vida deste personagem.
Nesse contexto, há de se pensar a respeito de qual dos dois
poetas produziu primeiramente algumas de suas obras e, nesse sentido, Rosen
argumenta que algumas abordagens tendem a considerar que ambos foram
contemporâneos e que, além disso, poderiam ter produzido suas obras com o
intuito de se diferenciar um do outro. No entanto, Rosen conclui que:
Estudiosos modernos geralmente assumem que Homero compôs
mais cedo que HesÃodo, contudo isto se assenta em pouco mais de que avaliações
subjetivas [...] o consenso em favor de uma data anterior de Homero sobrevive,
mas a questão não está resolvida (1997, p. 3-4, tradução nossa).
Além disso, embora a existência de um único poeta chamado
Homero não seja historicamente comprovada – o chamado "problema
homérico" –, a obra que carrega seu nome é de uma riqueza inestimável.
Poeta das façanhas heroicas e do desbravamento humano,
Homero é responsável pela formação de uma importante parcela da cultura grega
antiga, tanto no perÃodo que antecede quanto no que sucede o nascedouro da
Filosofia. Segundo Platão, na República (606e): "Homero foi o
educador de toda a Grécia".
Ainda sobre essa caracterÃstica pedagógica, complementa
Jaeger (2003) afirmando que na Grécia havia presente a concepção do poeta como
educador de seu povo e Homero seria esse primeiro e maior criador e modelador
da humanidade grega.
Um aspecto interessante em relação à forma como a produção
homérica era divulgada manifesta-se no fato de que, na Grécia antiga, havia o
costume de se cantar os poemas que eram transmitidos hereditariamente, ou
seja, os poemas eram passados de geração após geração, por meio da reprodução
em canto desses poemas. Mais do que uma função de entretenimento, esses poemas
cantavam os grandes feitos e as virtudes dos grandes homens e heróis, de forma
a criar uma consciência receptiva a tal modelo de transmissão.
Por certo que nós, homens e mulheres da era visual, não
conseguimos captar com toda a carga semântica o que significavam tais poemas
para os gregos, mas devemos ter em mente que os gregos possuÃam um ouvido
altamente calibrado e volitivo para aquelas tradições cantadas.
A poesia antiga grega, diferente de outras poesias criadas
nos séculos decorrentes no Ocidente, abrangia um campo enorme de dimensões,
numa confluência entre ética, estética etc., num organismo indissociável,
tanto que, conforme comenta Jaeger (2001, p. 66): "O pathos do sublime
destino heróico do homem lutador é o sopro espiritual da IlÃada. O ethos da
cultura e da moral aristocrática encontra na Odisséia o poema da sua
vida". Mas deixemos por ora as homenagens a Homero e vamos analisar
algumas caracterÃsticas pontuais de sua obra que nos possibilitem entender sua
relação com a Filosofia. Para isso, servir-nos-emos de Reale (1993, v. 1).
Optamos por citar três importantes caracterÃsticas da obra
de Homero que foram imprescindÃveis para o surgimento da Filosofia grega, as
quais iremos expor em três temas:
1) estrutura
da imaginação;
2) arte
da motivação;
3) expressão
da realidade.
Vejamos, a seguir, cada um desses âmbitos
separadamente.
Estrutura da imaginação
Diferente de outras narrativas de outros povos, as obras de
Homero não se preocupam apenas em descrever o monstruoso e o disforme; pelo
contrário, a estruturação dos poemas homéricos traz consigo:
1) Harmonia;
2) Eurritmia;
3) Proporção;
4) Limite;
5) Medida.
Atributos que dão consistência à obra de Homero e garantem
a ela uma "verossimilhança", no sentido de ser uma obra que apresenta
nexo entre suas partes.
Cabe frisar que essas caracterÃsticas
posteriormente se configurarão como constitutivas da própria estrutura do
pensamento grego e, por extensão, ocidental.
Arte da
motivação
Homero não narra apenas uma sequência de fatos, mas busca,
embora em nÃvel fantástico-poético, suas "razões", seus motivos.
Jaeger (apud REALE, 1993, p. 19) comenta que Homero não
conhece a:
mera aceitação passiva das tradições nem simples narração
de fatos, mas exclusivamente o desenvolvimento interiormente necessário da
ação de fase em fase, nexo indissolúvel entre causa e efeito.
Essa busca por "razões" já é um componente que posteriormente será distendido na Filosofia nascente.
Expressão da
realidade
A obra de Homero, em seu tratamento mÃtico e discursivo da
realidade, preocupa-se em apresentar a totalidade da existência, bem
como o papel do ser humano diante do mundo.
Tanto a expressão da totalidade quanto a definição do papel
humano são marcas Ãmpares da Filosofia. Por exemplo, o pensamento moderno,
ansiando investigar meticulosamente as coisas, fatos e fenômenos, criou o
chamado "especialista", que se ocupa de uma faceta muito especÃfica
de um problema.
Já os filósofos, em especial os antigos, buscam conhecer os
fatos, coisas e fenômenos em sua totalidade, de forma a construir uma visão
unitária do mundo.
Com o exposto, você observou algumas caracterÃsticas da
obra de Homero e HesÃodo. Vamos agora investigar outros traços importantes para
o nascimento da Filosofia.
Como nos propusemos anteriormente, vamos conhecer
a religião grega para tentar compreender em que sentido ela colaborou para o
nascimento da Filosofia.