Preâmbulo
Uma das características da
filosofia moderna é, sem dúvida, anova colocação do problema lógico, sobretudo
depois da crítica kantiana e das contribuições dialéticas de Hegel.
Apesar de continuar ausente dos currículos
oficiais, relegada ainda a plano secundário, e sofrendo da férula pejorativa
dos que a desconhecem ou que dela têm uma visão caricatural, não é possível, ante
o embate dos temas sobre o valor das categorias lógicas, continuar
desconhecendo a imensa contribuição da Dialética, sobretudo depois que ela
penetrou no campo da ciência.
Neste livro, onde estudamos a
Lógica Formal, a Dialética Geral, e a nossa Decadialética, obedecemos a certas
normas sobre as quais desejamos desde logo chamar a atenção.
Em primeiro lugar, não nos ocupamos
pormenorizadamente da Lógica Formal, porque, neste sector, o que já se tem
realizado é definitivo. Pouco há a acrescentar aqui. É esta a razão que nos levou
a apenas abordar em linhas gerais os aspectos mais importantes.
É verdade que a lógica oferece
hoje uma problemática e uma temática novas, em que os estudos da logística e as
contribuições de tantas correntes filosóficas, como por exemplo a análise fenomenologista,
com Husserl à frente, oferecem novas possibilidades para, dentro ainda do campo
formal, investir sobre novos veios inexplorados e efetuar algumas revelações insuspeitadas.
Trataremos desses temas nos volumes "Temática e problemática filosóficas",
sob o ângulo Decadialético.
Quanto à Dialética, abordamos o
aspecto geral, dentro das contribuições mais conhecidas. É verdade que a
temática e a problemática Dialéticas crescem cada dia, pois, disciplina nova,
em formação, tem à sua frente inúmeros aspectos, que exigem respostas às
perguntas que constantemente se colocam.
No decorrer deste livro,
verificará o leitor que a Dialética Geral, que abrange, em linhas amplas e
globais, tema tão importante, está a exigir a contribuição de novas
investigações em outros campos, como os que decorrem da Dialética da
intelectualidade nas suas polarizações operatórias do racional, e as da
intuição meramente intelectual. E como o nosso processo de raciocínio não pode
prescindir da influência dos esquemas da sensibilidade, esquemas do sensório-motriz,
e também da parte somática, que tanto influem em nossas perspectivas, e que a
moderna psicologia está pondo em evidência, há ainda reconhecer a inseparabilidade
funcional da parte afetiva de nosso espírito, cujas raízes também se afundam
nessa parte somática, e que, por sua vez, revela o funcionamento de todas as
construções esquemáticas simpathéticas e antipathéticas, génese
da simbólica, que não podem ser desprezadas.
Além disso, todos os que se
interessaram vivamente pelo estudo dialético sentem a atualidade do pensamento
hegeliano, de que a filosofia, em suas linhas gerais, não pode mais dele
afastar-se, pois a perspectiva Dialética, por ser englobante, in-cludente, por
conter em si os opostos, os diferentes, as distinções, invade, por isso mesmo,
o campo da filosofia e obriga à construção de uma visão geral do mundo, uma
verdadeira cosmo-visão, como implica a necessidade de revisão de todas as
conquistas filosóficas. Dessa maneira, a Dialética se torna filosofia, e a
filosofia, pela sua influência, torna-se Dialética.
Ora, tais temas estão a exigir
trabalhos especiais que coordenem o que já se tem construído, embora
dispersamente, numa estrutura Dialética. Neste volume interessamo-nos pelos aspectos
gerais, incluindo uma metodologia que a torne prática, sob o nome de Decadialética,
construção por nós realizada, com o intuito de utilizar tudo quanto há de
aproveitável neste setor, para um manuseio mais hábil por parte dos estudiosos
da matéria.
Contudo, os temas que se refiram
à Dialética noética, como à Dialética pathica, à Dialética simbólica e à Dialética tensional global
e sintética, serão objeto de outros trabalhos. No entanto, como verá o leitor,
a metodologia, que neste volume oferecemos, já é suficiente para o
empreendimento de amplas análises, sem necessidade de desprezar a contribuição
da lógica, sempre aproveitada, mas com o reconhecimento de seu papel, que,
embora importante, é parcial, e consequentemente deficiente na apreciação dos factos.
A Dialética pretende ser o que apenas é: uma lógica da existência, uma lógica
do devir, portanto uma lógica que maneja com as oposições dialeticamente
consideradas, sem excluir a lógica formal.
MÁRIO
FERREIRA DOS SANTOS
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